quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Relato na primeira pessoa de uma viagem à Covilhã







Por razões profissionais tive necessidade de me deslocar à cidade da Covilhã. Ponderando as várias possibilidades de transporte, a minha escolha recaiu sobre o comboio, mais concretamente no serviço intercidades.

A viagem teve início na estação de Lisboa Santa Apolónia, quilómetro zero da Linha do Norte. Inaugurada em 01 de Maio de 1865, daqui partem comboios para todo os norte de Portugal e ainda para Espanha. As três carruagens que compõem o comboio partem praticamente vazias. A estação principal de Lisboa é sem dúvida alguma, Oriente.

Chegamos ao Oriente com 4 minutos de atraso, fruto dos cruzamentos de vias entre comboios urbanos e de longo curso.
Em Vila Franca sai uma senhora que se tinha enganado no comboio .... queria ir para a Guarda mas entrou no da Covilhã.
Prosseguimos viagem, mantendo o atraso de 4 minutos. Até ao Carregado a via está em mau estado, fazendo com que a viagem pareça uma travessia fluvial do tejo em dia de tempestade.  
Ao entrar na via renovada, rapidamente se sente o conforto da barra longa - menos trepidação e menos barulho proveniente do contacto do rodado com o carril.
Paragem rápida em Santarém, onde não entra nem sai ninguém. Daqui até ao Entroncamento, o comboio segue rápido e sem grandes solavancos.
Paramos ao sinal de entrada da estação do Entroncamento quando o relógio anuncia as 09:30 .... olho para o horário e tento perceber o que circula à nossa frente .... nada ... supostamente nada! Mas então porque parámos? Sinal fechado, é a resposta óbvia .... passados alguns minutos desligam-se as luzes e o ar condicionado .... os passageiros, entre os quais alguns ferroviários, rapidamente percebem que algo se passa.

Neste compasso de espera, aproveito para olhar pela janela e apreciar o parque de sucata das oficinas da EMEF. Aqui jazem as locomotivas eléctricas da série 2600, algumas Allans e umas quantas locomotivas diesel das séries 1400 e 1900/30.
Quando finalmente o comboio chega à estação do Entroncamento, olho para o relógio que marca 10:00 ... lá atrás já está o IC da Guarda à espera de sinal.
Os minutos de diferença na partida foram rapidamente absorvidos, fruto da diferença de velocidade entre o material que realiza o comboio para a Covilhã (UTE série 2240) e a composição para a Guarda, liderada por uma locomotiva eléctrica da série 5600.

Entramos na Linha da Beira Baixa muito devagar .... para trás fica a via renovada, a barra longa e a possibilidade de andar a 120 km/h.
Com um atraso superior a 20 minutos, olho novamente para os horários procurando local para o cruzamento com o IC descendente .... Praia do Ribatejo foi o meu palpite, que se veio a concretizar. O IC 540 ganhou 5 minutos de atraso e nós evitámos assim mais uma paragem.

Passamos Santa Margarida em grande velocidade, para rapidamente se sentir um afrouxamento .... novo arranque e num ápice estamos em Abrantes.
O comboio perde alguns passageiros e eu aproveito para esticar as pernas. A carruagem onde viajo está praticamente vazia ... atrás de mim viaja um casal de ex-ferroviários e num dos últimos bancos segue o revisor. Passeio pelas carruagens de segunda classe que estão mais bem compostas .... olho para a máquina de venda automática e rapidamente me vem à memória as viagens passadas no bar do serviço intercidades em amena cavaqueira ou simplesmente lendo o jornal. acompanhado por um cafezinho ou uma cervejola.

Regresso ao meu lugar e verifico que já não tenho acesso à internet .... por aqui não há auto-estradas pelo que as operadoras de telemóvel não apostam na cobertura junto ao Tejo. Desligo o PC e aprecio a paisagem.

A linha corre junto ao rio. As barragens de Belver e do Fratel estão na sua cota máxima. Depois desta última, existem alguns afrouxamentos que me permitem apreciar a paisagem com mais pormenor.
A viagem prossegue com o barulho característico dos rodados a passar as juntas do carril. Por estes lados ainda existe muita travessa de madeira e carril de barra curta.

Estamos a chegar ao Fratel .... do outro lado do rio vê-se uma estrada que conduz a um cais fluvial. Nesta estação cruzamos com um comboio regional, que teve a amabilidade de esperar por nós.
O relógio marca as 11:00 e ao longe já se vêem as portas de Ródão. Volto a ligar a internet e a estar ligado ao mundo.

O painel informativo da estação de Ródão mostra-me que estamos com 25 minutos de atraso. No tempo do diesel, a subida até Sarnadas era um regalo para os meus ouvidos, principalmente quando o comboio era traccionado pelas locomotivas dasérie 1930. Além de íngreme. este trajecto é também todo ele em curva e contracurva.

A A23 cruza-se connosco e questiono-me "porque razão não vim de carro" .... já tinha saído de casa há mais de três horas e ainda me faltava pelo menos mais uma para chegar ao meu destino.
Esta opção é substancialmente mais cara mas muito mais rápida. Os 290 km que separam Lisboa da Covilhã fazem-se em menos de três horas, mas com um custo em portagens superior ao preço do bilhete do comboio ou autocarro. Se a este valor acrescermos o custo do combustível ....

Passamos Sarnadas e Retaxo, uma zona com muitas curvas mas onde a via já foi remodelada, com travessas de betão e carris de barra longa.
Chegamos a Castelo Branco com os mesmos 25 minutos de atraso. Foi nesta estação que durante muitos anos se efectuou a troca de tracção entre diesel e eléctrica. Esta manobra custava entre 15 a 20 minutos à viagem.

Entre Castelo Branco e Alcains o comboio parece que ganha asas ... deslizamos à velocidade máxima permitida neste troço e para este tipo de material - 120 km/h. Se a viagem fosse feita de forma constante a esta velocidade decerto já teríamos chegado à Covilhã.

Em Alcains estão alguns vagões utilizados para o transporte de madeira ... em Castelo Novo há vagões de cimento .... a Linha da Beira Baixa já não movimenta mercadorias como noutros tempos, onde era frequente a circulação de dois comboios diários, um para o Fundão e outro para Alcains ou Castelo Novo.
Actualmente realiza-se apenas uma circulação semanal para Castelo Novo e esporadicamente para o Fundão.
Serpenteando a serra prosseguimos em direcção ao Fundão. O túnel da Gardunha já ficou para trás e passamos agora junto da subestação da Fatela, a qual alimenta este troço da via.

Paramos na modernizada estação do Fundão, composta por duas enormes linhas, com capacidade para acolher grandes comboios de mercadorias.
Daqui para a frente, viajo sozinho nesta carruagem. Dou mais uma volta pelo comboio e verifico que os dedos das mãos dão para contar todos os passageiros que vão para a Covilhã.
Ao longe, já se vê a cidade neve, cantada por Amália Rodrigues, outrora um importante centro fabril da industria têxtil. A Universidade da Beira Interior trouxe um novo dinamismo à cidade, contribuindo de forma decisiva para o crescimento do transporte colectivo de passageiros, quer por via rodoviária ou ferroviária. O comboio académico, que ligava a Covilhã ao Porto, foi um bom exemplo .... mas "forças superiores" depressa acabaram com ele.
Chego à Covilhã com 20 minutos de atraso. Ao contrário do esperado, os bancos das UTE's IC até são confortáveis ....



São 18:00 e a noite já caiu sobre a cidade da Covilhã. Dirijo-me à estação para comprar bilhete no IC 544. Procuro em vão uma porta aberta .... a UTE 2297 já está na linha 1 pronta para seguir até Lisboa. Não há ninguém a quem perguntar seja o que for. Não há sala de espera. 
Entro no comboio e sento-me num qualquer lugar .... ligo o PC e enquanto espero, leio as últimas notícias nos blogs e sites noticiosos. 

Às 18:30 aparece alguém que coloca a UTE em movimento .... uma voz anuncia que vamos partir em direcção a Lisboa Santa Apolónia.

É noite e a paisagem é toda igual .... já passámos a estação do Fundão quando o revisor chega junto a mim para me vender o respectivo bilhete. A máquina não colabora e o papel acaba na hora menos própria. Não posso pagar com multibanco .... não sabia ...azar o meu!
De noite todas as estações parecem iguais .... paramos em Castelo Branco "à tabela" ... a viagem prossegue a bom ritmo ... chegamos a Rodão, com o seu aroma tão característico, à hora indicada no painel .... a paragem é demorada .... "um cruzamento", pensei eu. Abro a porta e olho para o sinal que está verde .... "mas afinal porque parámos?".  Ah! Estávamos à espera de alguém que entretanto chegou de taxi. 

Finamente prosseguimos a nossa viagem. Olho para o relógio e calculo que a paragem em Ródão nos tenha custado 10 minutos. Bolas, devo ter escolhido um "dia azarado" para ir à Covilhã.
Faço contas de cabeça e antevejo que o cruzamento com o IC ascendente nos vai custar mais uns minutos em Abrantes.

Os minutos passam e adormeço .... acordo quando o comboio pára, algures no meio do nada. Olho pela janela e verifico que afinal parámos na estação das Mouriscas. Este local, outrora estação com serviço comercial, serve apenas para cruzamento de comboios. Em sentido inverso vinha um comboio regional. O cruzamento com este foi alterado de Alferrarede para a Mourisca.

São 20:52 quando finamente chegamos à estação de Abrantes, ou antes, ao sinal de entrada da estação onde paramos por mais alguns minutos.
Saímos da estação de Abrantes com 19 minutos de atraso. O IC ascendente que vinha à tabela, perdeu aqui 3 minutos.

Passámos pela Barquinha com 12 minutos de atraso. Aproveitei para dar uma volta pelo comboio. Continuo sem perceber a diferença entre a primeira e a segunda classe, excepto o preço do bilhete. Mesmo para uma 4ª feira, pensei que a ocupação do comboio fosse melhor. Na minha carruagem viajam 4 pessoas, 2 das quais são ferroviários. 

Chegamos à estação do Entroncamento mantendo o atraso .... foi uma boa recuperação desde Abrantes até aqui .... dizem os entendidos que o horário tem folga para isto .... eu não gostei da viagem entre Abrantes e Entroncamento. Foram demasiados saltos e solavancos. A via está em mau estado, disso não tenho dúvidas, mas as UTE's também não são confortáveis.  

Paramos em Santarém com 10 minutos de atraso. Olho novamente para os horários e calculo que vamos disputar canal com um comboio suburbano. Acertei .... de Azambuja a Castanheira do Ribatejo fomos devagarinho, para evitar as paragens nos sinais vermelhos .... finalmente ultrapassámos o suburbano. 
Vila Franca de Xira, última paragem antes de Lisboa ... olho para o relógio e verifico que temos 15 minutos de atraso. Nesta estação não sai ninguém .... prosseguimos a bom ritmo em direcção a Lisboa, mas na Póvoa somos direccionados para a via descendente lenta, utilizada pelos comboios suburbanos.
Compreendo a opção, visto que a UTE está limitada aos 120 km/h. Atrás de nós circula o IC procedente da Guarda, que tem possibilidade de aproveitar a velocidade máxima da outra via.

Finalmente chegamos a Lisboa-Oriente .... 15 minutos de atraso ....  nesta estação o comboio fica praticamente vazio. Daqui até Santa Apolónia são mais 10 minutos, desta vez, sem esperas nos cruzamentos entre Oriente e Braço de Prata.

Desligo o PC, arrumo a tralha e sigo o meu caminho até casa, para o merecido descanso, após 8 horas de solavancos nas UTE's IC, intervalados por uma tarde de intenso trabalho.



 

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