"[...]Nos inícios do século XX rareava o transporte regular de pessoas do Termo para a capital, e vice-versa.
Havia a diligência, antigo meio de transporte do colectivo, puxada por fogosos cavalos, vinda de Torres Vedras, atravessando Loures e procedendo à muda de equídeos na estação da Malaposta, junto ao Olival Basto, antes de seguir para a estação central na Calçada do Combro, junto ao Correio Geral, conforme informa Maria Amélia da Motta Capitão in Subsídios para a História dos Transportes Terrestres em Lisboa no Século XIX, Lisboa, 1974.
O serviço de mala-posta, inaugurado em 17.9.1798, desapareceu por completo no primeiro quartel do século XX, tendo sido o principal meio de comunicação e distribuição de correio na Estremadura. Além do correio, a diligência podia levar quatro passageiros, ao preço de 9.600 réis por pessoa, e mais 320 de gorjeta para o cocheiro e os sotas (isto cerca de 1802). Serviço executado duas vezes por semana, o horário coadunava-se com o aproveitamento da melhor temperatura do dia, no Inverno, sendo a partida às 5 horas; no Verão, às 17 horas (in Maria Amélia Capitão, ob. cit.).
A par da mala-posta, criada para longos cursos, havia as carruagens públicas, ou omnibus (do latim omnes = todas as pessoas, toda a gente), fazendo pequenas carreiras em Lisboa e também ligando esta aos lugares mais próximos no Termo: Oeiras, Cascais, Sintra, Mafra e Loures.
A Companhia de Carruagens Omnibus de Lisboa foi constituída com estatutos aprovados em Abril de 1836 (ou em 29.4.1837), tendo as carreiras começado com dez carros, em 1835. O omnibus era um carro pesado e barulhento de grandes dimensões, com quatro rodas, cinco janelas de cada lado, porta na retaguarda, estribo para os passageiros subirem, etc. Podia transportar quinze pessoas. Era puxado por duas parelhas de cavalos ou de muares, indo um sota na parelha da frente e o cocheiro sentado no tejadilho, com as rédeas bem seguras.
A aparição da concorrência de outras companhias de carruagens, ditou o declínio desta primeira empresa de omnibus (nome que se popularizou no Brasil sob o designativo ónibus, que entre nós, portugueses, é o autocarro) por volta de 1868, o qual já começara em 24.2.1865, quando um violento incêndio nas suas cocheiras matara mais de metade dos cinquenta cavalos (in Vasco Callixto, As Rodas da Capital – História dos Meios de Transporte da Cidade de Lisboa, Junta Distrital de Lisboa, 1967).
Em 1870, o lisboeta e o saloio conheceram um “exótico” comboio de tracção mecânica: o larmanjat (nome herdado do francês seu criador, J. Larmanjat). Este comboio deslizava sobre um carril central e duas “passadeiras” de madeira, para as rodas laterais. Em 31.1.1870 foi inaugurado este sistema em Lisboa, no trajecto Largo de Santa Bárbara – Alameda do Lumiar, gastando cerca de uma hora na viagem de ida e volta. A estação central ficava no Palácio dos Condes de S. Miguel, na Rua de Arroios.
O larmanjat
foi mal aceite por utentes e não utentes, cocheiros e carroceiros,
poetas e toda a imprensa, ridicularizaram-no, chamaram-lhe “comboio de
areia”, “demónio negro”, etc. Houve mesmo espancamento de maquinistas e
actos de sabotagem.
Para
revigorar este sistema foi fundada uma empresa inglesa, que recebeu as
concessões da anterior: a Companhia dos Tramways a Vapor, com
escritórios em S. Sebastião da Pedreira e estação central nas Portas do
Rego, de onde partiam duas novas linhas: a de Sintra, inaugurada em 2 de
Julho (ou Junho) de 1873, sendo aberta ao público no dia 5. Gastava 1
hora e 55 minutos na viagem; e a de Torres Vedras, cujo serviço começou
em 6.9.1873, levando cerca de 5 horas por viagem.
Houve
muito entusiasmo das populações que vitoriaram o rei D. Luís, a
soberana inglesa, o marechal Saldanha, etc., quando se mostraram
viajando neste comboio, num acto político público visando demonstrar que
este era um meio de transporte seguro, o que não convenceu praticamente
ninguém, e foram aclamados só pela sua grande coragem, ousadia ou
loucura em viajar no “comboio da morte”, fama de que nunca se livrou
enquanto existiu.
Com
efeito, o larmanjat teve vida curta por causa dos frequentes
descarrilamentos, dos tombos dos passageiros, das avarias, da muita
poeirada, dos grandes atrasos e, em especial, da má administração da
empresa. Apesar de terem sido organizados serviços especiais para as
feiras do Campo Grande e das Mercês, o larmanjat acabou de vez em 1877
(in Francisco Santana e Eduardo Sucena, Dicionário da História de
Lisboa, Lisboa, 1994).
Ainda acerca da via monocarrilada Larmanjat, Torres Vedras – Lisboa, atravessando Loures, escreveu Adão de Carvalho (in Memórias de Torres de Vedras, Assembleia Distrital de Lisboa, Serviços de Cultura, 1991):
“Em 6 de Setembro de 1873, foi inaugurado o caminho-de-ferro Larmanjat, entre Lisboa e Torres Vedras, sendo a estação desta vila situada no Bairro Tertuliano, no velho prédio de primeiro andar existente por detrás da casa do Sr. Venceslau dos Santos.
“As estações eram: Turcifal, Freixofeira, Barras, Vila Franca do Rosário, Malveira, Venda do Pinheiro, Lousa, Pinheiro de Loures, Loures, Santo Adrião, Nova Sintra (nome de armazém ainda existente ao início da Calçada do Carriche, no Olival Basto, um pouco adiante do edifício da Mala Posta – Nota V.M.A.), Lumiar, Campo Grande, Campo Pequeno e Lisboa.
“O preço das passagens para Lisboa era de novecentos réis, em 1.ª classe, e setecentos réis, em 3.ª. Não tinha 2.ª classe.
“A linha, muito rudimentar, com um carril central de ferro e calhas laterais de madeira, acompanhava em quase toda a extensão a estrada real (de Mafra); porém, este sistema deu tão maus resultados, pelos contínuos descarrilamentos e tombos em toda a viagem que os passageiros sofriam, que estes preferiam as diligências. E assim, ao fim de poucos meses de exploração, acabou o caminho-de-ferro Larmanjat.”
Vitor Manuel Adrião in odivelas.comvitoradriao@portugalis.com"